A China é cativante. Já estive duas vezes lá. O que chama a atenção, em primeiro lugar, é como toda aquela gente consegue viver, como eles têm disciplina para viver com tamanha densidade demográfica. É muita gente em pouco espaço.
A China, como é uma civilização, não só um país, tem uma matriz cultural que foi sendo construída. Ela teve o Budismo, o Islã entrou lá; é como uma grande esponja que absorve essas coisas, mas ela reprocessa as influências. Na verdade, a matriz da vida chinesa é o Confucionismo, – que não é uma religião, mas uma filosofia de vida. Ele diz, entre outras coisas, que os jovens têm que respeitar os velhos, que a hierarquia social deve ser respeitada, que as pessoas precisam ter harmonia.
Hoje, nós ocidentais vivemos num mundo onde qualquer um entra com um processo contra o outro, por qualquer motivo. Isso na Ásia é impensável. Veja um exemplo: nós temos 25 estudantes chineses que estão morando e estudando em Porto Alegre. E agora vão trabalhar nas Olimpíadas como tradutores e jornalistas. Para este trabalho foi feito um contrato. E, como é um contrato-padrão, no final diz assim: “As divergências serão resolvidas no Fórum…”.
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Quando eles viram aquilo, perguntaram: “Por que isso? Nós atravessamos o mundo, viemos aqui conhecer vocês. Vocês foram lá nos conhecer e nós precisamos de um Juiz entre nós? Não aceitamos isso. Nós queremos que no contrato se escreva assim: as divergências serão resolvidas de comum acordo entre as partes.” Eles disseram: “Não podemos começar uma relação com a pressuposição de que vamos ter conflito. Não estamos em guerra”.
Da mesma forma que o Confucionismo prega que as pessoas tenham que obedecer, ele também diz que se a dinastia, as autoridades não estiverem cumprindo com o seu papel de trazer a felicidade para o povo, elas podem, legitimamente, ser derrubadas. Abre-se essa possibilidade da revolta, mas a pessoa tem que obedecer e cooperar, não pode complicar. A noção de indivíduo não existe. A pessoa é parte de uma família, em primeiro lugar; ela é parte de uma aldeia, de um grupo, de um clã. Assim é grande parte da família chinesa. Ela tem uma identidade dessa forma, como parte.
Vai existir democracia na China?
A China está ficando cada vez mais democrática. Mas não vai ser democracia liberal, só do voto. É uma concepção diferente, porque este tipo de democracia foi feito para um mundo centrado no indivíduo, e lá eles não têm isso, a noção deles não é essa. São 900 mil aldeias, onde moram 800 milhões de pessoas.
Elas têm um sistema de escolha democrática do prefeito, que é uma pessoa que tem um papel importante. É um processo participativo. Não é só uma questão de voto, de competição, de ver quem é o melhor marido etc. É diferente.
A China tem um problema com a Igreja Católica. O chinês não aceita que autoridades externas nomeiem alguém que vá tomar autoridade religiosa lá. Então é uma briga que há séculos espera uma solução. Agora, as igrejas estão abertas, as pessoas podem rezar. Mas o chinês não é um povo que tenha essa ideia de religiosidade como tem em outros lugares. Eles têm muito aquela coisa de venerar os antepassados.
Colocam numa urna os restos do avô, por exemplo, e aí acendem alguma coisa, rezam ali. Às vezes rezam numa praça, acendem lá um incenso… Eles têm esse jeito diferente de ver o mundo, que é esse jeito diferente de se comportar. Talvez pela sua tradição histórica e pelas suas tremendas necessidades de viver amontoados…
Com tanta gente, os chineses não procuram sair de lá?
Quando a Europa estava se industrializando, mandou para fora milhões de pessoas. Fez uma reforma agrária que excluiu milhões de camponeses. Quantos imigrantes europeus temos aqui no Brasil? A maioria é dos que sobraram quando o capitalismo entrou no campo. As três cidades de maior população italiana não são Milão, Roma e Nápoles, mas Nova Iorque, São Paulo e Buenos Aires. Tem mais pessoas de sobrenome italiano nestas cidades das Américas. Povoaram a Austrália, o Canadá etc. Os espanhóis também mandaram gente para fora. Se não fosse assim, a população europeia seria mais que o dobro de hoje.
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A China está fazendo a sua industrialização sem mandar gente embora. Ninguém aceita imigrante hoje em dia. Eles saem em conta-gotas, mas isso não representa quase nada. Eles procuram crescer, administrando essa superpopulação.